terça-feira, 28 de abril de 2015

Leia o Livro, Veja o Filme: Pacto Sinistro

LIVRO: Pacto Sinistro

Numa viagem de trem, dois estranhos se encontram, conversam, comem juntos. Conforme o papo evolui, falam de suas vidas, fazem confidências. De repente, um deles tem uma ideia genial: e se um matasse o desafeto do outro? A polícia jamais descobriria, pois não haveria motivo para o crime e não saberiam nem por onde começar a investigar. O plano é perfeito, mas, como diz o ditado popular, crime perfeito não existe.

Não sei se alguém já tinha apresentado essa ideia de assassinato trocado antes, mas, sem dúvida, Patricia Highsmith desenvolve magnificamente a trama baseada nessa possibilidade. Apesar de parecer estapafúrdio matar alguém que nem se conhece em troca do mesmo favor, o plano é de uma simplicidade tão grande que tem grandes chances de dar certo. E realmente daria, se um dos envolvidos não ficasse obcecado pela vida do outro e quebrasse a promessa de nunca mais se falarem.

Guy Haines é um homem que está num momento delicado: prestes a assumir um grande projeto na firma de arquitetura (e ter a chance de ver seu talento reconhecido) e, ao mesmo tempo, enfrenta um divórcio complicado, que há muito desejava para poder se unir à nova namorada, mas que a ex-esposa lhe negava. Agora que a ex engravidou e também pretende se casar novamente, Guy vai encontrá-la para assinar os papéis. Sua vida parece estar finalmente entrando nos eixos. É nisso que ele pensava enquanto rumava para a cidadezinha de Metcalf e conhece Bruno no trem.

Charles Anthony Bruno é o típico garoto mimado que não pode ser contrariado e não sabe lidar com a rejeição. É evidentemente um daqueles sujeitos sem propósito na vida, que passa os dias enchendo a cara e torrando a grana do pai. Quando seu genitor decide acabar com a mamata do garotão, ele faz birra e decide se vingar. Sendo dotado de enorme imaginação, elabora o plano de assassinato duplo e, na conversa que tem com Guy no trem, vê a oportunidade perfeita de colocar em prática o que havia imaginado.

Guy e Bruno são completamente opostos: enquanto o primeiro é um homem dedicado ao trabalho, sensato e de boa moral, o segundo só quer saber de farra, pensa apenas em ter suas vontades satisfeitas e faz o que tiver que fazer para conquistar seus objetivos. Enquanto Guy é movido por amor, Bruno vive de ódio; se o primeiro é bem-resolvido nas questões do coração, o segundo é solitário e faz qualquer coisa para chamar a atenção. A relação que se estabelece entre eles vai além da dependência causada pelos crimes, já que Bruno se infiltra cada vez mais na vida de Guy, que acaba atormentado e passa a agir de forma estranha e descuidada, querendo apenas se livrar do intruso. Sentimentos de pena e desprezo, raiva e carinho, interesse e repulsa se misturam e tornam os supostos desconhecidos cada vez mais unidos.

Mais do que uma história de investigação policial, é uma trama psicológica, na qual acompanhamos as transformações dos personagens em uma espiral de destruição. Escolhi este livro para representar o tema "mentiras" do Desafio Literário Skoob e minha opção não poderia ter sido melhor. A falsidade vai desde as artimanhas para despistar a polícia e a invenção de histórias para os investigadores até a enganação de parentes, chefes e a si mesmos. Ah, sim, também tem a traição entre os parceiros de crime. Simplesmente perfeito!

O livro tem uma influência fortíssima de Dostoiévski, com a culpa sendo o pior castigo de todos. A aflição é tanta que, em determinado momento, Guy cogita seriamente se entregar à polícia para aliviar o peso na consciência, mas logo percebe que nem isso aplacaria seu sofrimento. Estava condenado a conviver para sempre com sua tortura mental.

“A angústia estivera sempre com ele, era uma batalha interior, um tormento tão intenso que chegava a desejar a intervenção da justiça. A lei social era indulgente, comparada com a da consciência. Podia procurar a justiça e confessar, mas a confissão parecia uma questão menor, um simples gesto, até mesmo uma maneira de escapar, um esquivar-se à verdade. Se a lei o capturasse e o castigasse, mesmo isso seria apenas um gesto”.

Suspense psicológico de primeira. Nem preciso dizer que adorei e recomendo, né?

Este post faz parte do Desafio Literário Skoob 2015 - Mês de Abril: Mentira, Falsidade, Enganação (em comemoração ao dia primeiro de abril - dia da mentira). Para ver a apresentação do desafio, minha lista de obras selecionadas e outros posts do DLSkoob2015, clique AQUI.


FILME: Pacto Sinistro

Este é o segundo livro/filme que encaro no ‘Hitchcock Reading Project’, e uma coisa já ficou clara para mim: embora Hitch faça filmes incríveis, nem de longe eles podem ser considerados adaptações fiéis dos livros. ‘Levemente inspirado’ na história X seria uma descrição mais apropriada.


Aqui, mais uma vez, ele pega a ideia central do romance da Highsmith e segue do jeito que mais lhe convém, fazendo desde pequenas alterações (como a troca da profissão de Guy de arquiteto para tenista), criando personagens (a atual namorada de Guy agora tem uma irmã mais nova, fundamental para a trama) e mudando completamente o desfecho da história. No entanto, a perturbação dos personagens está lá, intensificada lindamente pelo estilo narrativo do diretor.


O fato é que, deixando o livro de lado, o que vemos na tela é um excelente trabalho de Hitch, evidenciado já nas primeiras cenas, que mostram os trilhos do trem e depois passos de dois personagens distintos, que só identificamos pelos sapatos e pelo andar. Antes mesmo de conhecermos os rostos daqueles homens, já era possível saber que um era despojado e rico, enquanto o outro era um sujeito comum e contido. Coisa de gênio.


Não vou falar muito sobre o filme porque sua força está em acompanharmos o desenrolar da história e mergulharmos nas aflições dos personagens, sentindo que afundamos aos poucos e vamos perdendo o ar. Só o que posso dizer é que o gorducho sabia mesmo como prender a atenção do público e tinha o dom de transformar coisas inocentes em instrumentos mortais. Se, graças a ele, o medo que eu tinha de pássaros de transformou em fobia, agora jamais verei um simples carrossel como um brinquedo bobo e sem graça. Duvido que alguém que tenha assistido a esse filme não pense duas vezes antes de se sentar naqueles cavalinhos singelos.


Suspense maravilhoso e angustiante com uma das melhores cenas de clímax que já vi. Pode passar o filme na frente dos outros da sua lista. Certeza que você não vai se arrepender!


Este post faz parte do 'Hitchcock Reading Project'. A lista de livros e suas adaptações com as respectivas resenhas está AQUI.


Trailer (sem legenda):


3 comentários:

Eduarda Sampaio disse...

Adorei a dica, Michelle! Inclusive a biografia da Patricia é o livro de maio do Fórum Entre Pontos e Vírgulas, mas nunca li nada dela. Agora não sei se vejo o filme ou leio o livro... Risos.
Beijo! ^_^

Lígia disse...

Adorei a resenha! Tanto o livro quanto o filme parecem ser ótimos :)

Helena Cintra disse...

Oi, Michelle.
Adorei a resenha!
Não conhecia o livro e agora fiquei com bastante vontade de ler! Achei a ideia de "assassinatos trocados" muito legal e fiquei bastante curiosa.
Bjos,
Helena

http://doslivrosumpouco.wordpress.com