sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Resenha: O Morro dos Ventos Uivantes


A trágica história ocorrida na propriedade conhecida como Morro dos Ventos Uivantes é narrada em retrospecto pela empregada Nelly ao Sr. Lockwood, que cai adoecido após enfrentar uma nevasca e vira o novo inquilino da Granja da Cruz do Tordo, casa vizinha ao Morro. É por meio das lembranças de Nelly que ficamos conhecendo os horrores vividos pelos Earnshaw e pelos Linton, os respectivos donos daquelas terras em tempos passados, que tinham em comum um homem com sede de vingança: Heathcliff.

O Sr. Earnshaw tinha dois filhos, Hindley e Catherine, e, um dia, leva para casa um garoto cigano que vagava solitário pelas ruas da cidade grande. Esse garoto chamado Heathcliff, que desde o primeiro instante inspira desconfiança em todos na casa devido à sua pele morena e ao seu surgimento repentino, se torna irmão adotado e melhor amigo de Catherine e desperta o ciúme e a inveja imediatos em Hindley. Com a morte da mãe e depois do Earnshaw pai, Hindley, que já desprezava Heathcliff, assume o controle do Morro e transforma a vida do outro em um verdadeiro inferno. No entanto, é Catherine, ao se aproximar dos vizinhos Linton e provocar Heathcliff, quem acaba por despertar o ódio há muito tempo aprisionado do ex-melhor amigo. E, uma vez acordado, nada consegue aplacar a ira do vulcão.

Não vou falar muito sobre a história porque é longa e os personagens mudam de sobrenome várias vezes, pois a desgraça vai passando de uma geração para a outra, o que acabaria por tornar esta resenha confusa. Só digo que muitos definem a trama como uma das mais sangrentas histórias de amor, mas eu diria que é uma história de obsessão e vingança. Porque pode até ser amor, mas é doentio.

Aliás, quase todos os personagens do livro são detestáveis, mesquinhos, egoístas e mentirosos. E muitos consideram Heathcliff um dos maiores vilões da literatura ocidental. Particularmente, discordo. Ele é, sim, um sujeito com sede de vingança que não hesita em humilhar e maltratar o próprio filho para atingir seus objetivos, mas pelo menos seu ódio não é gratuito. Para mim, o personagem mais odioso de todos é Catherine. Se ela não tivesse brincado com os sentimentos alheios só por capricho, a destruição dos Earnshaw e dos Linton não teria começado.

De qualquer forma, foi ótimo ter dado uma segunda chance ao livro (minha primeira leitura foi lá nos anos 90, por obrigação, e, como qualquer coisa que se faça desse jeito, foi mal feita e acabei detestando a história). Desta vez, apesar de os personagens serem abomináveis, pude notar como são bem delineados e críveis, e deu para perceber a qualidade da escrita de Emily Brontë em uma trama bem elaborada que mostra a degradação humana e a ausência de moral para enaltecer uma suposta história de amor.

Além disso, agora consegui observar as semelhanças e diferenças entre as obras das irmãs. Em todas há uma moça decidida que luta pelo que quer (embora isso às vezes cause a ruína de si mesma e da família) - e, que me desculpe Jane Austen, mas as personagens das irmãs Brontë são infinitamente mais feministas em suas atitudes. É claro que não conseguem fugir dos casamentos, mas o que elas defendem, especialmente a Jane Eyre da Charlotte e a Helen da Anne, vai muito além de poder escolher o pretendente e fazer críticas à futilidade da sociedade (o que já é alguma coisa, mas enfim...).

Outra característica que aparece na obra das três irmãs são personagens que xingam e blasfemam a valer (e nessa, o Heathcliff de Emily leva a medalha de ouro). Imagino que isso tenha dado mais credibilidade à ideia de que os livros haviam sido escrito por homens. A religiosidade é outra constante em ‘Jane Eyre’, ‘A inquilina de Wildfell Hall’ e ‘O morro dos ventos uivantes’ (páreo duro entre o Joseph de Emily e a Helen de Anne). Dos três livros, apenas em ‘A Inquilina’ a presença do sobrenatural não é marcante – o que, para mim, é um ponto positivo.

“Subiu na cama e abriu a veneziana com violência, irrompendo, enquanto a destravava, em uma incontrolável torrente de lágrimas.
- Entre, entre! – soluçava o homem. – Cathy, entre. Ah, entre... uma única vez! Ah! Querida, ouça-me nem que seja só desta vez... Catherine, finalmente!
O espectro demonstrava o capricho habitual dos espectros; não deu sinal algum de estar presente; mas a neve e o vento rodopiaram, descontrolados, alcançaram o meu posto e apagaram a vela."

Resumindo, ‘O morro dos ventos uivantes’ é uma ótima história de vingança. Eu, como fã de um acerto de contas, já fiquei imaginando como seria trazer essa trama para os dias de hoje. Na minha versão ideal da adaptação, Park Chan-wook seria o diretor, afinal, ninguém retrata uma vingancinha melhor do que os sul-coreanos, né?

Para ler ouvindo Angra (a musiquinha não parava de rolar na minha cabeça enquanto eu lia a cena da janela) ou a versão original, da Kate Bush (adoro a carinha dela de camisolão!)

Nota: 4/5

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